Transtornos da linguagem em crianças

Dr. Tiago Costa • abr. 02, 2022

Aprendizagem e Linguagem

A aprendizagem e o uso da linguagem dependem de habilidades expressivas e receptivas, que podem diferir em gravidade, devendo cada uma ser investigada individualmente.

 

↪️ Veja o que é a capacidade expressiva e a capacidade receptiva:

  • Capacidade expressiva: capacidade de produzir sinais vocálicos, gestuais ou verbais.
  • Capacidade receptiva: compreensão da linguagem.


↪️ Quais habilidades de expressão da fala são esperadas pela idade aproximada?

  • 6 meses: dão risadas e começam a cantarolar.
  • 9 meses: balbuciam e verbalizam sílabas como “da-da-da” ou “ma-ma-ma”.
  • 1 ano: imitam vocalizações e são capazes de falar pelo menos uma palavra.
  • 1,5 anos: conseguem falar algumas palavras.
  • 2 anos: combinam palavras em frases simples.
  • 2,5 anos: conseguem identificar uma ação em um quadro e fazer-se entender por meio de suas verbalizações pelo menos a 50% das vezes.
  • 3 anos: podem falar de forma inteligível; conseguem identificar uma cor; descrevem o que estão vendo usando vários adjetivos.
  • 4 anos: conseguem identificar pelo menos 4 cores; são capazes de conversar de forma inteligível.
Criança tapando os ouvidos, olhos e boca

O que é o Transtorno da Linguagem?

O transtorno da linguagem consiste em dificuldades na aquisição e no uso da linguagem em várias modalidades, incluindo a linguagem falada e escrita, causadas por deficiências na compreensão ou na produção de acordo com as habilidades expressivas e receptivas2.

 

O transtorno da linguagem costuma afetar vocabulário e gramática, e esses efeitos passam a limitar a capacidade para o discurso.

 

As crianças podem parecer tímidas ou reticentes em falar.

Quando desconfiar do Transtorno da Linguagem?

Deve-se desconfiar de um transtorno da linguagem quando:

  • Quando há atraso nas primeiras palavras e expressões da criança.
  • Quando o vocabulário é menor e menos variado do que o esperado para a idade.
  • Quando as frases são mais curtas e menos complexas, com erros gramaticais, em especial as que descrevem o passado.

 

⚠️ Importantíssimo levar em consideração a cultura e o meio onde a criança se desenvolve, pois as limitações na linguagem podem ser inerentes ao seu contexto social!

 

⚠️ Crianças com transtorno da linguagem expressiva contam histórias de uma maneira vaga e usam a filtragem de palavras como “treco” e “coisas” em vez de atribuírem nomes a objetos específicos.

O transtorno da linguagem é comum?

História familiar positiva para transtornos da linguagem geralmente costuma estar presente à os transtornos da linguagem são altamente herdáveis, e membros da família têm maior propensão a apresentar história de prejuízo na linguagem.

 

O transtorno da linguagem costuma afetar mais meninos (2 a 3x maior em ♂), e o transtorno da linguagem expressiva é mais comum que o transtorno misto da linguagem receptiva-expressiva!

Dados que sugerem o diagnóstico de transtorno da linguagem

De acordo com os critérios do DSM-5¹, deve-se diagnosticar um transtorno da linguagem quando:


A. Dificuldades persistentes na aquisição e no uso da linguagem em suas diversas modalidades (falada, escrita, linguagem de sinais, etc) devido a déficits na compreensão ou na produção, inclusive:

  1. Vocabulário reduzido (conhecimento e uso de palavras).
  2. Estrutura limitada de frases (capacidade de unir palavras e terminações de palavras de modo a formar frases, com base nas regras gramaticais e morfológicas).
  3. Prejuízos no discurso (capacidade de usar vocabulário e unir frases para explicar ou descrever um tópico ou uma série de eventos, ou ter uma conversa).

 

B. As capacidades linguísticas estão bem abaixo do esperado para a idade, resultando em limitações funcionais na comunicação efetiva, na participação social, no sucesso acadêmico ou no desempenho profissional, individualmente ou em qualquer combinação.

 

C. O início dos sintomas ocorre precocemente, ainda no período do desenvolvimento.

 

D. As dificuldades não são atribuíveis a outras condições, como:

  • Deficiência auditiva ou outro prejuízo sensorial.
  • A disfunção motora ou a outra condição médica ou neurológica.
  • Outra condição como deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento.

Diagnóstico diferencial dos transtornos da linguagem:

Crianças com suspeita de transtorno misto da linguagem receptiva-expressiva deve realizar audiograma para excluir ou confirmar surdez ou outras deficiências auditivas!

 

Os principais diagnósticos diferenciais do transtorno da linguagem são:

  • Variações normais na linguagem
  • Deficiência auditiva ou outra deficiência sensorial
  • Deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual)
  • Condições neurológicas: pode ser adquirido associado a doenças neurológicas, inclusive epilepsia (ex: afasia adquirida, ou síndrome de Landau-Kleffner).
  • ⚠️ Regressão da linguagem (“a criança adquiriu a habilidade, mas perdeu”):
  • Se criança ≤ 3 anos: perda da fala nessa faixa etária pode sinalizar TEA (com regressão do desenvolvimento) ou uma condição neurológica específica, como a síndrome de Landau-Kleffner.
  • Se criança > 3 anos: a perda da linguagem pode ser sintoma de crises epilépticas, havendo necessidade de avaliação diagnóstica que exclua presença de epilepsia (ex: EEG de rotina e em sono).

 

Crianças com mutismo seletivo apresentam desenvolvimento normal da linguagem e geralmente conversam apenas na presença de membros da família (ex: mãe, pai e irmãos) à essas crianças são ansiosas no contexto social e arredias quando estão fora do ambiente familiar.

 

Crianças com transtorno do som da fala (tartamudez ou gagueira) têm competência normal em termos de linguagem receptiva e expressiva, apesar dos comprometimentos na fala.

Comorbidades mais comuns:

Pode haver a comorbidade transtorno da linguagem + transtorno da fala.

 

O transtorno da linguagem está fortemente associado a outros transtornos do neurodesenvolvimento, como:

  • Transtorno específico da aprendizagem (leitura, escrita e aritmética)
  • TDAH (Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade)
  • TEA (Transtorno do espectro autista)
  • Transtorno do desenvolvimento da coordenação
  • Transtorno da comunicação social (pragmática)

 

Outros diagnósticos comórbidos são:

  • Transtornos de ansiedade
  • TOD (Transtorno de Oposição Desafiante)
  • TDC (Transtorno de Conduta)

Os transtornos da linguagem tem cura?

Crianças com prejuízos na linguagem receptiva têm pior prognóstico que aquelas em que predominam prejuízos expressivos.

  • Essas crianças são mais resistentes ao tratamento.
  • Frequentemente há dificuldade de compreensão da leitura associada.


Levando-se em consideração a alta taxa de remissão espontânea das deficiências linguísticas nas crianças na fase pré-escolar, assim como os efeitos menos que robustos das intervenções em crianças naquela faixa etária, em geral a prática NÃO recomenda iniciar o tratamento de transtornos da linguagem expressiva, a não ser que eles persistam depois dos anos pré-escolares.

 

A psicoterapia é muito útil para aquelas que apresentam transtornos mistos de linguagem que tenham problemas emocionais e comportamentais associados.

Fonte:

  1. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5th ed. Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-5TM, 5th ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.
  2. Sadock BJ, Sadock VA, Ruiz P. Compêndio de Psiquiatria: Ciência do Comportamento e Psiquiatria Clínica. 11th ed. Porto Alegre: Artmed; 2017.
  3. Ribeiro, Karla M.N., Assumpção Jr., Francisco B. e Valente, Kelte D.R.Síndrome de Landau-Kleffner e regressão autística: a importância do diagnóstico diferencial. Arquivos de Neuro-Psiquiatria [online]. 2002, v. 60, n. 3B [Acessado 2 Abril 2022] , pp. 835-839. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0004-282X2002000500027

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Sobre mim ...

Médico Psiquiatra, cristão, casado, pai da Marina, fotógrafo nas horas vagas e pensador constante. Gosto de compartilhar conhecimento, pois acredito que assim aprendo mais e ainda participo do crescimento de outras pessoas. Não perco uma corrida do MotoGP e perco quase todos os jogos do Ceará, mas ainda me considero torcedor praticante =)


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